Jornal O Estado de São Paulo
ARTIGO - Gil
Castello Branco
É conhecida a piada do sujeito que pediu dinheiro
emprestado ao amigo alegando que a mulher estava grávida, prestes a ter o bebê,
e ele, despreparado. O amigo, esperto, respondeu- lhe: "Se você, que já
sabia disso há nove meses, está despreparado, imagine eu, que acabo de ser
informado...".
A história vem à tona na ocasião em que algumas
prefeituras estão reclamando da vigência plena da Lei Complementar n.º 131, que
determina a divulgação das receitas e despesas na internet, de forma online e
pormenorizada. A chamada "Lei da Transparência", de autoria do
senador João Capiberibe, foi aprovada em 27 de maio de 2009, com prazos
gradativos para a implantação dos portais. Até o momento, 612 cidades
brasileiras com mais de 50 mil habitantes estão obrigadas a alimentar os seus
sites com informações sobre a execução orçamentária. Daqui a três meses,
entretanto, a norma abrangerá todos os 5.570 municípios do Brasil. Assim, novas
4.958 cidades, com população inferior a 50 mil habitantes, terão de construir
ou aprimorar os seus portais. Como sabiam disso há quatro anos, é curioso que
algumas prefeituras aleguem estar despreparadas.
Na verdade, os políticos gostam de muita transparência,
mas nos governos dos adversários. Mas, se os recém-eleitos ou reeleitos
quiserem mesmo ser transparentes, deverão colocar nos sites o orçamento
previsto e a execução, a origem da receita, as dívidas, os pagamentos a pessoas
físicas e jurídicas, os nomes dos funcionários públicos com os respectivos
cargos e salários, o que foi comprado, por quanto, de quem, os bens adquiridos
e os serviços prestados, as licitações, os contratos e os programas
implementados, entre outras informações relevantes para a sociedade saber o que
está sendo feito à custa dos seus impostos, taxas e contribuições.
Como desde a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
publicada em 4 de maio de 2000, os municípios encaminham à Secretaria do
Tesouro Nacional (STN) o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) e o
Relatório de Gestão Fiscal (RGF), as informações existem. Agora é colocá-las na
internet.
Para a lei ser cumprida, não bastará o site municipal
conter o currículo e a foto do prefeito, o telefone do Corpo de Bombeiros e
outras informações do gênero. O detalhamento será fundamental para que sejam
multiplicados os "auditores", o que irá aprimorar as administrações
públicas. Caso a Secretaria do Tesouro Nacional leve o assunto a sério, o
descumprimento da legislação poderá implicar a suspensão das transferências
voluntárias.
Em São Paulo, por exemplo, prefeitos de 518 cidades
deverão inaugurar ou melhorar os portais existentes. Dentre essas localidades
estão, por exemplo, Campos do Jordão, com população próxima a 50 mil
habitantes, e, no outro extremo, o município de Borá, com apenas 807 cidadãos.
E, a julgar pela análise que a Associação Contas Abertas realizou dos portais
das cidades paulistas já abrangidas pela lei, a implantação dos sites nos
demais municípios do Estado de São Paulo será uma odisseia.
Com base em 105 critérios estabelecidos por especialistas
da Unicamp, FGV, Universidade de Brasília, Tribunal de Contas dos Municípios do
Ceará, Controladoria-Geral da União, Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo e da própria Contas Abertas, foi criado o índice de Transparência,
que atribui notas de zero a dez para os municípios com menor ou maior clareza
nas informações que prestam à sociedade.
A nota média de 3,97 dos 124 municípios analisados em
outubro do ano passado demonstra a má qualidade dos portais das maiores cidades
do Estado de São Paulo. Além disso, 70% dos municípios tiveram de contratar
empresas de informática para a construção dos seus sítios. Quanto menor o
município, maior foi a tendência de recorrer à iniciativa privada. Apenas três
empresas desenvolveram os portais de 59 municípios. Existem portais
praticamente idênticos em diferentes cidades.
Com o mercado multiplicado, está em funcionamento
verdadeira "indústria de transparência". Representantes de empresas
de informática rondam as cidades brasileiras para oferecer serviços, o que é
legítimo. Na realidade, o problema não são os portais terem sido desenvolvidos
por um órgão público ou privado. O crucial é que a qualidade deixa muito a
desejar, inviabilizando o efetivo controle social.
Diante da amostragem dos 124 municípios paulistas, não é
difícil imaginar o que poderá acontecer nas 4.958 cidades brasileiras que nos
próximos três meses terão de colocar as suas contas na web. Em curto prazo, a
atividade de confeccionar sites tende a ser altamente lucrativa para alguns
empresários e extremamente onerosa para os milhares de cidades brasileiras.
Neste cenário, cabe aos Estados e às prefeituras de maior
porte que possuem bons portais colaborar com os pequenos municípios. No fim do
ano passado, o Conselho de Transparência da Administração Pública do Estado de
São Paulo - formado por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, além de entidades não
governamentais - interessou-se pelo tema e sugeriu que os órgãos estaduais
afins auxiliem na difícil tarefa a ser cumprida pelas cidades paulistas de
menor porte. A ideia pode ser replicada em outros Estados. Afinal, se empresas
de informática podem implantar o mesmo portal em várias cidades, o Estado
poderá fazê-lo com melhor qualidade e menor custo para os contribuintes.
Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse
que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes", referindo-se ao
sistema financeiro americano. No Brasil, existe uma luz no fim do túnel e a
transparência, aos trancos e barrancos, está a caminho. A criança precisa
nascer em breve, forte e saudável, estejam ou não os pais preparados.