sábado, 30 de março de 2013

Justiça condena Gilvam Borges por chamar de vagabundo seu ex-empregado


SENTENÇA
ata: 24/01/2013 magistrado: ALMIRO DO SOCORRO AVELAR ENIUR
Teor do Ato: 1 – RELATÓRIO.
ROBERVAL COIMBRA ARAÚJO ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais contra GILVAM PINHEIRO BORGES alegando, em síntese, que no dia 19 de novembro de 2010 foi publicada no Jornal do Dia uma entrevista envolvendo o autor com o título Gilvam Borges abre o jogo e conta tudo, onde o réu afirmou que esse sujeito (Roberval Araújo) é um bandido. E quem tem que tratar com bandido é a polícia e a justiça. E ambas estão agindo. Por conseguinte, o autor requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral. Juntou aos autos os documentos de fls. 17-28.
Em contestação (fls. 31-38), preliminarmente, a parte demandada requereu aplicação da imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição Federal. No mérito, afirmou que não há falar em danos morais, nos vertentes autos, uma vez que o réu exerceu o regular direito de informar a sociedade de fatos de interesse público. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido autoral.
O autor ofertou réplica à contestação (fls. 41-46).
Em audiência preliminar, o feito foi saneado (fl. 48).
Na audiência de instrução e julgamento foi colhido o depoimento pessoal do autor e das testemunhas (fls. 48-55).
As alegações finais do autor constam às fls. 56-60; o réu, não obstante intimado em audiência (fl. 49), não apresentou suas derradeiras alegações.
2 – FUNDAMENTAÇÃO.
Analiso inicialmente a questão prejudicial suscitada na contestação, ou seja, de que as entrevistas e manifestações descritas na inicial são decorrentes do seu mandado parlamentar, portanto estariam acobertadas pela imunidade prevista no art. 53 da Constituição Federal.
Neste desiderato, ainda que a questão se entrelace ao mérito da demanda, ressalto que a imunidade parlamentar só constitui direito absoluto quando o parlamentar fizer uso da palavra em defesa de seu mandato, não sendo aplicada quando ofender honra, imagem, nome dentre outros de terceiro em programas de rádio e televisão ou mesmo em site de notícia como no presente caso, pois em casos tais não há nexo de causalidade entre as funções do mandato e a conduta perpetrada.
Sobre o assunto, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO PENAL – CRIMES CONTRA A HONRA – TRANCAMENTO DA QUEIXA-CRIME – IMUNIDADE PARLAMENTAR -OFENSAS PROFERIDAS FORA DO ÂMBITO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA – AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM A ATIVIDADE PARLAMENTAR. – A imunidade, em sentido material, prevista no art. 53 da CF, não alcança manifestações proferidas com finalidade diversa da função parlamentar. Assim, as ofensas perpetradas fora do âmbito da Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o exercício do mandato, ustificam o prosseguimento da ação penal. – Precedentes. – Ordem denegada. (HC 22.556/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 22/04/2003, DJ 18/08/2003, p. 216)”.
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR. EVENTUAIS OFENSAS DESVINCULADAS DO EXERCÍCIO DO MANDATO. ORDEM DENEGADA. 1. Conforme entendimento jurisprudencial, a imunidade do deputado estadual, prevista no art. 27, § 1º, c/c 53 da Constituição Federal, … não alcança manifestações proferidas com finalidade diversa da função parlamentar. Assim, as ofensas perpetradas fora do âmbito da Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o exercício do mandato, ustificam o prosseguimento da ação penal (HC 22.556/SP, Quinta Turma, DJ de 18/8/2003, p. 216). 2. Na hipótese dos autos, o impetrante não logrou demonstrar a vinculação dos fatos atribuídos à paciente com a sua condição de parlamentar, faltando liame entre a manifestação e o exercício do mandato de deputada estadual, tratando-se, a uma primeira vista, de ofensa de cunho pessoal. 3. Ordem denegada. (HC 39.922/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 311)”.
Portanto com relação as manifestações decorrentes do seu mandado parlamentar, aplica-se o princípio da imunidade parlamentar. Contudo, não pode ser aplicada referida imunidade às entrevistas concedidas para jornais sobre questões alheias ao exercício do mandato.
Ademais, é fato incontroverso a existência das veiculações tidas como ofensivas, cabendo, de resto, comprovação por parte do requerido da veracidade das informações e posterior avaliação se essa veiculação, em si, acarreta ou não ofensa à honra do autor.
Noticia o autor, que o requerido teria lhe causado prejuízo ao veicular a seguinte matéria: Gilvam Borges abre o jogo e conta tudo, onde o réu afirmou que esse sujeito (Roberval Araújo) é um bandido. E quem tem que tratar com bandido é a polícia e a justiça. E ambas estão agindo.
Não é preciso esforço para perceber que foi imputado ao autor, por via direta e transversa, conduta moralmente repreensiva e ilícita através da entrevista do requerido e refletida nos meios de comunicação, como rádio, televisão e publicações na internet.
Certamente pode e deve o requerido, enquanto parlamentar, divulgar informações de interesse público, esse fato não se acha em discussão, contudo deveria respeitar, ao se manifestar através dos meios de comunicação, outro mandamento constitucional, tão importante quanto o que resguarda a liberdade de informação ou mais até, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
No presente caso não se trata de mera divulgação de fatos. O requerido teceu comentários pessoais depreciativos sobre o autor tendo afirmado que o autor é um bandido, restando evidente que tal imputação pessoal,da forma como ocorreu no presente caso, ofender a honra do demandante.
A propósito:
“.(…) As pessoas públicas, malgrado mais suscetíveis a críticas, não perdem o direito à honra. Alguns aspectos da vida particular de pessoas notórias podem ser noticiados. No entanto, o limite para a informação é o da honra da pessoa. Com efeito, as notícias que têm como objeto pessoas de notoriedade não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas, pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não pode ser ultrapassada. Por outro lado, não prospera o argumento de que inexistia o animus de ofender a vítima. O exame das declarações difundidas nos programas de rádio revela evidente a vontade consciente de atingir a honra da ora recorrida, mediante imputação de atos tipificados como crime, como corrupção passiva, ou de atos que simplesmente a desmoralizam perante a sociedade. Com efeito, estando eviden te o abuso do direito de informar, a indenização por danos morais é medida que se impõe. (…).(REsp 706.769/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009)”.
Com efeito, o réu não se desincumbiu do ônus de provar a veracidade das informações contidas nas entrevistas, principalmente a referente a imputação de ato ilícito ao autor, portanto deve indenizar o autor pelos danos sofridos com a veiculação da entrevista e, principalmente, por conta das publicações nos jornais e na internet, sem a devida cautela, tendo a entrevista de fl. 28 maculado a reputação do autor perante os ouvintes, telespectadores, colegas de trabalho e familiares, sem que ao menos fosse dado ao autor direito de se defender, estando demonstrado que o requerido se excedeu no exercício do direito de divulgar informações.
Para os leitores, ouvintes e telespectadores desavisados o autor ficou caracterizado como um bandido, sem que o réu tenha comprovado tal alegação. Em casos análogos o Egrégio TJAP pacificou os seguintes entendimentos:
CONSTITUCIONAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OFENSA À HONRA. AGRAVO RETIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO. IMUNIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE NEXO COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) O magistrado, no uso do poder instrutório que lhe confere o art. 130 do Código de Processo Civil, se encontra autorizado a indeferir provas que julgar inúteis, se formar o convencimento, a qualquer tempo, de que o acervo documental é suficiente para o julgamento da causa 2) Não se pode confundir imunidade com impunidade. A proteção legal não é absoluta e nem fonte autorizadora de abusos que permita ao parlamentar causar dano de ordem moral a bens u rídicos alheios como a honra, direito pessoal e social elevado à garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da Constituição Federal. 3) Impõe-se a redução do valor fixado a título de dano moral se o quantum arbitrado se revelar dissonante dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. 5) Recurso parcialmente provido. (TJAP – AC n. 0019199-06.2007.8.03.0001 – Acórdão n. 23475 – Câmara Única – Rel. Desembargador DÔGLAS EVANGELISTA RAMOS – Publicado no DJE N.º 72 em 20/04/2012).
CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OFENSA À HONRA. AGRAVOS RETIDOS. IMUNIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE NEXO COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR. NULIDADE DO PROCESSO EM RAZÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS DOCUMENTAIS. INOCORRÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM EM RELAÇÃO AO PARTIDO SOCIALISTA CRISTÃO (PSC). AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO. REDUÇÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1) O Magistrado a quo poderá indeferir provas que as considere protelatórias para o feito, já que o julgamento é medida que se impõe; 2) Não interpondo o recurso de apelação, a via restou preclusa, nada podendo ser aproveitada em seu favor, por ausência de interesse processual; 3) A honra, direito pessoal e social elevado à garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, deve ser resguardada, mesmo no o âmbito do mandato parlamentar; 4) Se o quantum referente a compensação pelo dano moral, for fixado fora dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, deve ser reduzido, até porque sua finalidade é pedagógica e não causa de enriquecimento. 5) Recurso provido em parte. (TJAP – AC n. 0019156-98.2009.8.03.0001 – Acórdão n. 18652 -Câmara Única – Rel. Desembargador LUIZ CARLOS – Julgado em 10/05/2011- Votação unânime – Publicado no DJE n. 85, de 13/05/2011).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL CONTRA DEPUTADO ESTADUAL – PALAVRAS E OPINIÕES DE CARÁTER PESSOAL MANIFESTADAS EM ENTREVISTA CONCEDIDA A JORNAL – IMUNIDADE MATERIAL – INOCORRÊNCIA -INEXISTENCIA DE NEXO COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARLAMENTAR -SENTENÇA CASSADA – RECURSO PROVIDO. 1) A prerrogativa jurídica da imunidade, destinada a proteger o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos, somente pode ser invocada quando os seus pronunciamentos guardem conexão com o desempenho do mandato, ou tenham sido proferidos em razão dele; 2) As palavras e opiniões de caráter estritamente pessoal manifestadas por Deputado Estadual em entrevista ornalística e tidas como ofensivas às honras de terceiros não se encontram acobertadas pela imunidade material, porquanto não guardam nexo com o exercício da funçã o parlamentar, a teor do mandamento finalístico contido no art. 53, da Constituição Federal; 3) A honra, direito pessoal e social elevado à garantia constitucional pelo art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, não pode ser simplesmente ignorada quando as palavras, votos e opiniões extrapolam o âmbito do mandato parlamentar; 4) Recurso provido para cassar a d. sentença proferida e determinar que a d. Magistrada conclua a instrução processual e julgue o pedido, no seu mérito, como lhe parecer de direito. (TJAP – AC n. 1012/01- Acórdão n. 5251 – Câmara Única – Rel. Desembargador MELLO CASTRO – Julgado em 03/12/2002- Votação maioria – Publicado no DOE N.º 2989, pág. 19, de 11/03/2003).
No particular, como é de comum conhecimento, os critérios a observar, de modo geral, são: a intensidade do dano; o grau de culpa ou dolo do ofensor; as circunstâncias em que se ocorridos os fatos danosos; a condição social do autor; a capacidade econômica do requerido; e, por fim, a necessidade de se evitar o enriquecimento injustificado. Há que se ter em mente, ainda, as funções compensatória, punitiva e inibitória de que se deve revestir a indenização, eis que destinada não só a reparar, de algum modo, o dano, mas também a servir de reprimenda ao causador do ilícito e prevenir a repetição de comportamentos similares.
A acusação se reveste de acentuada gravidade, sem qualquer atenção com a veracidade das informações, expondo a vida pessoal do autor e lhe imputa conduta ilícita. Por conseguinte, tenho como justo e necessária à reparação a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), levando-se em consideração a capacidade financeira do requerido.
3 – DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, condenando o requerido (Gilvam Borges) a pagar ao autor, a título de indenização por dano moral, a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), devendo incidir correção monetária pelo INPC a contar desta sentença (súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso, 19/11/2010, data da veiculação da entrevista, nos termos do verbete nº 54 da Súmula do STJ. Em decorrência da sucumbência, condeno a parte requerida (Gilvam Borges) ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios do patrono do autor, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º, do CPC. Publique-se. Registre-se eletronicamente.



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