Decisões
contra a imprensa ferem direito de expressão
[Editorial do jornal O Estado de S. Paulo publicado na
edição deste domingo, 3 de fevereiro de 2013]
O direito à livre expressão, consagrado na Constituição,
tem sido ignorado em sucessivas decisões de juízes de primeira instância,
tomadas principalmente contra veículos de comunicação. Mesmo posteriormente
reformadas em tribunais superiores, essas sentenças causam prejuízo à imprensa
e, em especial, à sociedade, que se vê privada dos instrumentos para formar sua
opinião sobre os problemas do País e sobre a atuação das autoridades. Longe de
serem casos isolados ou anedóticos, trata-se de um sintoma de enfraquecimento
da democracia.
Uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ)
constatou que, no ano passado, houve 11 decisões judiciais que determinaram
censura à imprensa. Em cinco anos, foram nada menos que 57 casos. A banalização
do uso de instrumentos judiciais para impedir a livre circulação de ideias e
informações levou Carlos Ayres Britto a criar em novembro passado, às vésperas
de se aposentar como ministro do Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional do
Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça. A
intenção é ter um centro de documentação e de dados para observar e debater as
ações da Justiça contra jornalistas. O Fórum não terá poder para impedir o
exercício da censura, mas pretende verificar se os processos judiciais estão de
acordo com a decisão do Supremo de revogar, em 2008, a Lei de Imprensa e, com
ela, todos os instrumentos que permitiam calar os jornais e os jornalistas. Até
agora, a entidade não fez nenhuma reunião nem seus integrantes foram escolhidos
- haverá representantes do Judiciário e dos veículos de comunicação. A urgência
de alguma ação contra esses atentados a cláusulas constitucionais pétreas é, no
entanto, evidente.
Não contentes em determinar a supressão de informações e
de opiniões, o que já é, em si, uma violência, alguns juízes parecem dispostos
a também estabelecer os procedimentos editoriais que devem ser seguidos pelos
veículos dali em diante. A juíza Ana Cláudia Rodrigues de Faria Soares, da 6.ª
Vara Cível de Vitória (ES), obrigou o jornal digital Século Diário a excluir
três reportagens e dois editoriais a respeito do promotor de Justiça Marcelo
Barbosa de Castro Zenkner, suspeito de irregularidades. Em sua decisão, a
magistrada disse que estava "assegurado aos réus o direito de
expressão", mas, caso resolvessem publicar algo sobre o promotor, deveriam
observar "as seguintes recomendações": se fossem criticá-lo, teriam
de evitar "adjetivações pejorativas ou opiniões desfavoráveis que
extrapolem os limites da crítica literária, artística ou científica";
deveriam "limitar-se a narrar os fatos"; e teriam de "proceder
com imparcialidade e isenção". Trata-se de uma evidente afronta ao direito
de opinião.
Um episódio semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde
o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, teve de eliminar de seu site uma
reportagem, às vésperas da eleição no ano passado, sobre uma investigação do
Ministério Público acerca de suposta compra de votos. O pedido de censura foi
feito pela coligação eleitoral suspeita. Em seu despacho, a juíza Lilian Ritter
considerou que, "em tese", a reportagem seria "caluniosa e
inverídica", embora se tratasse de um trabalho jornalístico a respeito de
um processo real.
Há casos, também, em que a decisão judicial é seguida de
violência. Foi o que aconteceu com o Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul. Em
agosto de 2012, a juíza Elisabeth Baisch, da 36.ª Zona Eleitoral, proibiu o
diário de circular caso estivesse publicando uma pesquisa de intenção de voto
para prefeito de Campo Grande. A Associação Brasileira de Imprensa noticiou que
o Correio chegou a ser invadido por policiais dispostos a verificar, página por
página, se o jornal trazia a tal pesquisa.
À violência somam-se situações kafkianas, como a censura
aos veículos do Grupo Estado, que edita este jornal, impedidos desde julho de
2009 de publicar informações sobre o processo a que responde um filho do
senador José Sarney. Que outra explicação podem ter casos como esses, senão o
de que há juízes com cacoete autoritário, que ignoram o que vem a ser interesse
público?
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